"Quem dera os moradores, o prefeito e os vereadores, o judiciário e os legisladores, as senhoras e os senhores... protegessem todas as crianças!"
Uma forte mobilização política no campo da infância e da adolescência garantiu ao longo dos anos um importante marco legal, concretizado através da ratificação do Brasil à Convenção Internacional dos Direitos da Criança e da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, quase 20 anos depois desses grandes marcos jurídicos, ainda não temos um sistema de garantia de direitos que consiga atender eficazmente todas as crianças e adolescentes que têm seus direitos violados. Há criança sem situação de rua; adolescentes assassinados; aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas; violência doméstica; trabalho infantil e abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. A maioria dessas crianças e adolescentes é negra. Grande parte estuda ou foi "expulsa" de escolas públicas. Há muita violência de gênero submetendo meninas e adolescentes a ficarem presas em ciclos de violência. Há a classe social que torna invisíveis as pobres e as ricas, as primeiras porque de tão pobres não são enxergadas como crianças, e as segunda porque de tão ricas, poucos enxergam as feridas.
Há também, nesses grupos e fora deles, crianças e adolescentes que são afetadas pela Aids. Essas crianças e adolescentes podem estar sofrendo de muitas dessas mazelas, podem até terem se tornado crianças e adolescentes que vivem com AIDS por causa de uma dessas mazelas sociais ou até mesmo por causa do conjunto da obra. Nesses grupos de crianças e adolescentes, há muita generalidade e tantas outras particularidades e, ainda, mais preconceito. Entre as crianças e adolescentes que vivem e convivem com HIV/Aids, a flagrante exclusão social que, apesar de alguns avanços, ainda assola grandes parcelas da população, torna o quadro ainda mais dramático. A violação de direitos aumenta a vulnerabilidade à Aids e a Aids aumenta a violação de direitos. Segundo o Unicef, 240 mil mulheres em idade reprodutiva têm o vírus da Aids e a maior parte não sabe que é soropositiva. A introdução dos testes de HIV no pré-natal ajudou a diminuir o percentual de transmissão vertical no país, que se estabilizou em torno de 8%, mas em nossa região e no Norte, porém, essa taxa sobe para 12% e 15%, respectivamente.
Ao longo de mais de 16 anos de trabalho com as crianças e adolescentes que vivem e convivem com HIV/AIDS, identificamos dois aspectos fundamentais nas políticas públicas de atendimento a este público. O primeiro aspecto é mais flagrante e infelizmente de mais fácil comprovação: a ausência quase completa de políticas específicas para esse público nos três níveis de governo. O segundo aspecto é a perigosa retroalimentaçã o que existe entre violência e Aids, de modo que começa a se tornar comum crianças e adolescentes serem infectadas pelo vírus através de violência sexual. Embora esses dois aspectos tenham sido constantemente denunciados, não há uma resposta estrutural e definitiva do poder público, o qual continua a tratar essa questão como exceções de pouco impacto percentual, não merecendo, portanto, políticas definitivas. Neste Dia Mundial de Atenção às Crianças Afetadas pelo HIV/Aids, ampliamos nossa luta e alertamos toda a sociedade acerca dessas questões, tão específicas e tão gerais, tão particulares e tão públicas. Que a prioridade absoluta das crianças e adolescentes preconizada em nossas leis não seja mera retórica jurídica na vida de tantas, e que todas, inclusive aquelas afetadas pelo HIV/Aids, tenham seus direitos assegurados.
FONTE:
Tânia Tenório // Psicóloga e coordenadora do programa de Direitos Humanos da Gestos: Soropisitividade, Comunicação e Gênero.
Nielson da Silva Bezerra // Pedagogo; educador da Gestos: Soropositividade Comunicação e Gênero; Conselheiro de Direito do Conselho Municipal de Promoção e Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes do Recife.
opiniao.artigo. pe@dabr.com. br
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